Papo reto – o trabalho do tradutor em homeoffice

Há uma charge que roda direto pelas redes sociais, que contém três imagens em um quadrinho que mostram o tradutor trabalhando antes da pandemia*, durante a pandemia e depois da pandemia. Na verdade, são três imagens exatamente iguais com uma pessoa sentada e curvada na direção de computador, digitando sem parar. Ou seja, nada mudou e nem mudará na vida de quem é profissional da tradução. E com você, será que é sempre assim? Você se vê nesta situação de acordar, pegar uma caneca de café (tradução e café são quase um pleonasmo) e ir direto pro computador, digitar o dia inteirinho, com algumas pausas para se alimentar, tomar banho (espero) e, se possível, dormir, para retomar a rotina no dia seguinte?

Fato é que, com o desencadeamento da pandemia da Covid-19, descobrimos que muitas das nossas atividades cotidianas, fossem de cunho pessoal e profissional, cabiam na tela de um desktop, laptop, palmtop (whatever), num tablet ou mesmo no seu smartphone. Segurança (leia-se medo), cautela e comodidade se encontraram e começaram a reger as nossas vidas. E, para quem já vivia ilhado 24/7 na tela de um computador cercado de dicionários por todos os lados, isso não representou novidade alguma. Graças aos céus o vírus não se espalhava pela internet! E o mundo da tradução, incluindo a simultânea pela via remota, que ganhou até o reforço de um nome pomposo de remote simultaneous interpretation (RSI), que não era novidade alguma, ganhou uma projeção enorme nesse período.

Clientes se aproveitaram do momento para tirar o atraso e investiram tudo em traduções dos seus sites para oferecer seus produtos pela internet em vários idiomas. Estudantes de pós-graduação concluíam as suas teses e traduziram para publicação em revistas especializadas, adivinhem, em vários idiomas. Laboratórios, institutos, pesquisadores e afins traduziram todo o seu material para o idioma desejado para apresentar seus resultados em busca da aprovação de seus experimentos por agências reguladoras ao redor do mundo, na esperança de se conseguir chegar a uma vacina, a um comprimido ou procedimentos que fossem eficazes na luta contra o Covid-19. Autores, ah os autores, esses não param de escrever e aproveitaram o embalo e exageraram na dose. Nunca se publicou tanto livro traduzido em tão pouco tempo. Afinal, os tradutores são os que universalizam a literatura e as pessoas precisavam de alguma forma de entretenimento. E isso me leva às telas das plataformas de streaming. O povo da tradução audiovisual foi exigido muito além da sua capacidade e levas de novos tradutores foram formadas para atender á tanta demanda de traduções para legendas e para a dublagem. As línguas de sinais em todos os idiomas foram realçadas e seus intérpretes ganharam o seu lugar de destaque nas telas das televisões e de outros aparelhos eletrônicos.

Poderíamos ficar aqui dias a fio traçando seguindo esse roteiro, mas as ideias aqui são basicamente enaltecer o trabalho de tradutores e intérpretes, e motivar quem aproveitou essa onda de realce do trabalho desses profissionais maravilhosos (o que seria da humanidade sem o trabalho dos tradutores?) para investir na própria formação. Em nosso curso de formação de tradutores e intérpretes, que nasceu em plena pandemia como o único que ensina tradução (escrita e falada) diretamente do espanhol para português, passamos a perceber que professoras e professores de espanhol decidiram investir na profissão de tradutor e conosco iniciaram uma trajetória de migração de carreira. E o que vemos hoje, depois de decretado o fim da pandemia, é que os tradutores continuam sentados, curvados sobre os seus computadores (que certamente foram trocados por outros mais modernos, pois nada nem ninguém aguenta apanhar tanto sem pifar e agora têm que dar conta de correr para acompanhar a velocidade do 5G), os intérpretes seguem com o RSI, mas agregaram a forma híbrida de atuar em reuniões e conferências, e começaram aos poucos a sair das suas tocas para voltar a atuar de forma presencial em eventos. E os intérpretes de línguas de sinais ganharam não só as telas, mas a nossa completa admiração e apreço. Queremos ver cada vez mais essas e esses profissionais presentes em todos os eventos, presenciais e on-line, e quem sabe despertar o interesse de proporcionar o aprendizado da língua para se tornar um intérprete, por exemplo, de Libras, a língua brasileira de sinais. Olha aí uma dica!

* refiro-me ao período em que o mundo viveu um regime de Emergência de Saúde Pública causada pela disseminação em massa do coronavírus (Covid-19), conforme classificação atribuída pela Organização Mundial de Saúde, recentemente decretada como encerrada.

 

Autor: José Luiz Corrêa – 18/07/2023